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Uma prodigiosa máquina acústica

João Ferreira Annes d’Almeida será para a maior parte dos leitores um perfeito desconhecido. Na verdade, ele é um clássico assombroso que conspirou determinantemente para inventar a língua portuguesa. A leitura que Luís Miguel Cintra aqui faz, prova bem como o português, o português de Almeida, é uma prodigiosa máquina acústica.
Ferreira d’Almeida nasce talvez em Torre de Tavares, Mangualde. Começa por ser conduzido dentro do catolicismo, inclusive por um tio eclesiástico, que lhe serviu de tutor. Mas aos 14 anos, incompletos!, sem que o contexto seja muito claro, parte para a Holanda e, dali, para o Oriente. O ano de 1642 é um marco fundamental da sua biografia. Larga da cosmopolita Amesterdão, passa por Batávia (actual Jacarta), a caminho de Malaca. E precisamente nesse tempo de viagem do qual nada se sabe, nessa travessia da mocidade por uma vastidão desconhecida, dá-se aquilo que Ferreira d’Almeida apelida como «conversão» ao calvinismo.
O segundo “salto” da sua história deve situar-se já em 1663, aos seus 35 anos de idade. Almeida dedica-se então ao serviço pastoral. Preside à liturgia junto dos chamados «portugueses negros», pessoas da mais humilde condição e de raças várias, falantes de português quando ali já não havia nome de Portugal. Elabora folhetos catequéticos, polemiza com os missionários católicos, pede mais livros sagrados em língua espanhola, revê e imprime na oficina gráfica do governo de Batávia a sua tradução das Fábulas de Esopo, queixa-se das intempéries climatéricas, tem muitos achaques e sobretudo…conclui, a partir do grego, a sua tradução o Novo Testamento, a primeira na nossa língua.
Mas tudo o que lhe diz respeito ganha depois uma lentidão enervante, pois se os méritos são reconhecidos, o poder holandês não vê com bons olhos a difusão da língua da potência comercial a que veio suceder. Lá por fim anunciam-lhe que o seu Novo Testamento será editado em Amesterdão (isto em 1676) e, quando o recebe, conta «mil erros», que ele próprio corrigirá à mão, como o prova o único exemplar que resta, e que está em depósito na nossa Biblioteca Nacional. É esta a história do Apocalipse que ouvimos.

José Tolentino Mendonça

 

Extrato com áudio

Apocalipse
     

Autor: Apóstolo S. João, o Teólogo
Tradução: João Ferreira Annes d’Almeida
Fixação do texto: José Tolentino Mendonça
Revisão: Teresa Meneses
Capa e direcção gráfica: Joaquim Pinto e Nuno Leonel
nota: agradecemos a cedência dos direitos da Editora Assírio & Alvim e José Tolentino Mendonça para esta edição e respectiva gravação

Gravado por Joaquim Pinto na Capela do Rato, no dia 10 de Julho de 2010
Masterizado por João Ganho no estúdio o Ganho do Som